
Artistas: Bubi Canal | Cecilia de Val | Damián Ucieda | Duarte Amaral Netto | Félix Fernández | Fernando Bayona | Florencia Rojas | Gonzalo Pérez Mata | Ixone Sádaba | Jesús Madriñán | Julia Montilla | Marta Moreiras | Marta Soul | Miguel Ángel Gaüeca | Rocío Verdejo | Rosa Muñoz | Sandra Torralba | Valentín Jaramillo
Museu da Imagem | BragaDo 9 de Novembro de 2013 ao 5 de Janeiro de 2014Curador: Vítor Nieves«Don’t look at my camera» (Não olhes para a minha câmara) é, provavelmente, o que o fotógrafo-encenador diria aos que, momentos antes do clique e após um minucioso trabalho de adereços e de iluminação que define as imagens que constituem esta exposição, posam. Em todas elas, reconhecendo-se como realizador/a de um único frame do filme que é criado, dá ordens a todos os elementos visuais que entram no plano, nomeadamente às pessoas, escolhidas para representar um papel.
O título da exposição faz referência ao vínculo que se estabelece entre o fotógrafo/a e o fotografado/a, evidenciando a encenação da imagem. Fica, portanto, latente a pegada do/a artista na sua obra, mais do que em qualquer outro estilo fotográfico, já que os códigos da Fotografia Encenada, ou Staged Photography, conduzem o/a artista, na maioria dos casos, a autorretratar-se, certificando-se de que forma parte do mundo que cria, e, em alguns casos, asseverando também a sua própria permanência na arte.
Ao longo do século xx os fotógrafos/as da Nova Visão, e também os surrealistas, empregaram a encenação como um poderoso estilo criativo. Foram estes os precursores/as da denominada Fotografia Encenada, termo que se começa a empregar com certa normalidade e assiduidade na década de oitenta, paralelamente à intensificação do debate sobre a validez e o uso da fotografia documental, pois é nesse momento que se toma consciência de que, na fotografia, o limite entre a realidade e ficção é bem estreito. Consequentemente, este tipo de fotografia diversifica-se e afirma-se como um género em crescimento exponencial [1].
As fotógrafas/os convertem-se em encenadoras/es e deixam de captar a realidade para construí-la, abrindo uma grande janela para a ficção e pondo em dúvida a percepção da realidade.
A cotio, na Staged Photography, os/as modelos são uma parte primordial e imprescindível para a estruturação do conceito e para a composição da imagem. Por vezes, é o autor/a que interage e se insere na sua própria obra, até tendo diversos papéis, assumindo identidades fictícias. Noutras, são atores, atrizes, ou manequins os que, sobre a direção do fotógrafo/a, interpretam papéis, normalmente relacionados com a vida social, o status, a mitologia ou os sonhos.
Faz também parte deste eido fotográfico a fotografia em que, excluindo o elemento humano, a encenação é dos espaços, dos habitáculos e das cidades. É o caso de Thomas Demand (Munich, 1964) e a sua obra de referência, «Office», onde o escritório fotografado cria uma tensão no espectador/a, que, vendo um lugar totalmente realista, denota certos matizes de irrealidade. Apesar de serem menos frequentes, os fotógrafos/as que encenam lugares sem pessoas têm um modus operandi semelhante. Assim, o adereço e a iluminação são as principais preocupações que ocupam grande parte das horas de estúdio do/a artista, como é o caso de James Casabere (E.U.A., 1953), que inventa cidades e vilas em maquetes onde a iluminação tem uma relevante importância.
É possível que um dos pioneiros da Fotografia Encenada seja Oscar Gustav Rejlander (Suécia, 1813-1875) que, em 1957, apresentou publicamente a sua obra «The two Ways of Life», que é uma imagem resultante da ação combinatória de vários negativos. Sem dúvida, a sua personalidade e a sua obra foram capazes de influenciar Henry Peach Robinson (Inglaterra 1830-1901), que os historiadores da fotografia arquivam no capítulo do pictorial, apesar de ser uma grande referência na Staged Photography.
Atualmente, a encenação fotográfica parece ser uma moda entre os contemporâneos, todavia, se debulharmos a história do meio, veremos que a fotografia é encenada desde o seu nascimento e que a encenação sempre representou um papel importante e decisivo. O próprio Hippolite Bayard (França, 1801-1887), considerado um dos pais da fotografia, autorretrata-se morto, o que parece a representação do seu fracasso na intenção de liderar a invenção da fotografia.
A Fotografia Encenada desfruta atualmente de uma ampla aceitação no mundo da arte e reconhecidas figuras trabalham com os códigos próprios do género, que foi recolhendo gramáticas da linguagem da publicidade, da pintura e do cinema. Por conseguinte, muitos autores/as trabalham indistintamente numa ou noutra disciplina, como são os casos de Erwin Olaf (Países Baixos, 1959) e de David LaChapelle (E.U.A., 1963), que também são fotógrafos de publicidade e de moda, cujos trabalhos comerciais numa teia complicada e perigosa, se fundem com os artísticos. LaChapelle, além disso, tem feito vários trabalhos como realizador (videoclips de celebridades americanas). A aprendizagem na iluminação e na direção das encenações e de modelos também serviu para que Cindy Sherman (E.U.A, 1954) trabalhasse no cinema.
Erwin Olaf, talvez grandemente influenciado pelo facto de ter o seu estúdio de Amesterdão numa igreja e estar rodeado por uma imaginaria religiosa, repensou o seu trabalho, versando com menos frequência sobre temas tão humanos como o sexo e a morte. Contudo, o salto definitivo de Olaf para a Staged Photography foi dado com a chegada da fotografia digital. Numa entrevista que deu a um canal de televisão holandês, revelou que o processo de digitalização permitiu um controlo total sobre a obra final, idêntico o que se passava com a fotografia tradicional a preto e branco. O seu trabalho é conceitualmente muito pictórico e formalmente muito cinematográfico. Algo muito visível na obra de Olaf, e extensível a muitos autores/as da Fotografia Encenada, é o sentido do humor que quase roça o kitsch, e, que às vezes, resulta até iconoclasta. Aliás, a súa temática recorrente, numa primeira época, é também comum a muitos autores/as: o sexo e a identidade sexual é o cavalo-de-batalha de muitos destes fotógrafos/as, tanto que nas estudos da arte de género, sobretudo os que estão vinculados aos sectores dos direitos LGBT, proclamam a Staged Photography como uma expressão própria e exclusiva de comunicar.
Muito próximo deste trabalho, como se escreveu e agora se reitera, está o de LaChapelle, mas de uma perspetiva muito mais pop e colorida, e com uma obstinação incansável de fazer imagens iconoclastas que põem em dúvida as personagens do entretenimento americano, com constantes alusões à sociedade de consumo e às grandes marcas, que aparecem retratadas como alicerces da sociedade no seu conjunto, mas que afogam a individualidade. Ainda que tenha misturado o seu trabalho para grandes publicações semanais de moda, muita da sua obra tem um sentido crítico muito explícito e que está muito relacionado com a sua origem latina, povo que tenta integrar-se digerindo todo aquilo que cospe o sistema norte-americano, apesar de ser excluído deste.
Nesta reverberação rápida pela Fotografia Encenada, temos obrigatoriamente de nomear os autores/as que, estando longe da publicidade, fazem um trabalho mais conceitual, como a referida Sherman ou Jeff Wall (Canadá, 1946), que é uma declaração de intenções em cada imagem que cria.
Não obstante, a Fotografia Encenada também pode ser concebida para pôr em dúvida os conceitos popularizados que se apoiam na fotografia jornalística ou documental. É o caso de Joan Fontcuberta (Catalunha, 1955) que perturba a fundamentação daqueles que afirmam que a fotografia retrata a realidade. Os seus projetos, ora inventando histórias para publicá-las como verídicas nos media ora criando livros de documentação e de arquivo de espécies de flora que nunca existiram, trabalham com uma encenação que tem como objetivo criar imagens reflexivas sobre o meio fotográfico.
Também é próprio da Staged Photography, já desde o surrealismo, a representação de mundos oníricos. Servem como exemplos dois trabalhos em dois extremos distantes: o de Robert & Shana ParkeHarrison (E.U.A. 1968, 1964), relacionado com a dialética dos contos infantis, e o de Ouka Leele (Espanha, 1957), contaminado pela estética de Madrid que acordava de uma longa ditadura.
Por vezes, a visão ocidentalista e androcêntrica da História da Fotografia exclui autoras como a Condessa de Castiglioni (Itália, 1837-França, 1899) que, em rigor, não era fotógrafa, no entanto, recreava com esmero encenações que iluminava para, posteriormente, respeitando as suas indicações, se fazer retratar por Pierre-Louis Pierson (França, 1822-1913). Certamente, o seu trabalho serviu de referência ao de Grégory Crewdson (E.U.A. 1962)
Ao sentido crítico que, tal como se tem vindo a referir, se manifesta na obra de Olaf, soma-se uma certa vocação didática na obra de Carrie Mae Weems (E.U.A., 1953), uma fotógrafa quase desconhecida na Europa e que trabalha com consignas do povo afro-americano, num discurso que dá coerência às diferentes e múltiplas áreas fotográficas em que trabalha.
Originário da Rússia, o coletivo AES+F (Tatiana Arzamasova, 1955; Lev Evzovich, 1958; Evgeny Svyatsky, 1957; e Vladimir Fridkes, 1956) conseguiu transcender com as suas fotografias o fechado mundo da arte russa, com imagens que nos fazem lembrar capturas de ecrã de videojogos ou encenações próprias de filmes futuristas pós-apocalípticos.
Marcos López (Argentina, 1958) é outro autor que utiliza todo o estilo kitsch, como LaChapelle, para construir imagens, cuja cor é trabalhada até à perfeição, fazendo pequenos estudos que questionam certos costumes da sociedade atual. Um autor que se distancia muito de López, mas que trabalha de perto com as tradições da América Latina, é Luis González de Palma (Guatemala, 1957) que, com uma estética de fotografia histórica, consegue imagens que não passam desapercebidas ao espectador comum.
A caraterística intrínseca da fotografia em ser capaz de documentar é algo que em muitos países já está em desuso, como na China, onde o fotodocumentalismo é considerado vetusto. Uma das referências no oriente é Yasumasa Morimura (Japão, 1951) que consegue redundar a da Fotografia Encenada, uma vez que trabalha no jogo da encenação da encenação: partindo de imagens que são icónicas no ocidente, e que foram previamente encenadas, reinterpreta-as de um ponto de vista iconoclasta e com um humor oriental difícil de entender no ocidente. A obra na qual se vê uma clara reflexividade dentro da Staged Photography, é aquela onde se auto-fotografa imitando uma fotografia de Cindy Sherman.
«Don’t look at my camera» está configurada com obras de vários autores e autoras muito diferentes entre si, manifestando, contudo, o que os une. O controlo da iluminação, a direção de personagens, a encenação dos ambientes e as referências a longas histórias que cada imagem comunica, poderá revelar que a Fotografia Encenada é o produto de um desejo de ter controlada uma realidade que nos escapa, porém, que podemos fotografar, logo, consequentemente, esse momento foi uma realidade, apesar do seu caráter efémero.
Vítor Nieves. Curador.
(Este texto não foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico por decisão do autor)
[1] «Momentos estelares de la fotografía del s. xx ». Oliva María Rubio. Círculo de Bellas Artes de Madrid. Capítulo «Puesta en escena».
Inauguração da exposicção e declaracções de Vítor Nieves (curador) e Rui Prata (director do Museu)