ALEGRIA LAB

Laboratório do IPCI

Adriano Pimenta, José Paulo Andrade, Odair Monteiro, Patricia Pettitt, Polly Hummel.

PB27 Gallery | Porto
14 de Novembro a 12 de Dezembro de 2020
 
IPCI | Lisboa
19 de Junho a 11 de Setembro de 2021
 
Curador: Vítor Nieves
Produção: António Pedrosa – IPCI (Instituto de Produção Cultural e Imagem)

Alegria Lab é o nome que reúne uma selecção de projectos finais do Master de Fotografia Artística do Instituto de Produção Cultural e Imagem (IPCI), uma exposição colectiva que pretende mostrar diferentes caminhos da arte com base na fotografia, quer desde o ponto de vista conceitual, quer desde a técnica.

Estes cinco trabalhos representam o esforço de mais de um ano dos e das artistas seleccionadas: Adriano Pimenta, José Paulo Andrade, Odair Monteiro, Patricia Pettitt e Polly Hummel; mediante uma metodologia de trabalho em que os e as formadoras foram dando as ferramentas precisas para a adquisição das competências laborais pertinentes e, ainda, desenvolver as capacidades criativas e críticas para a criação e a produção artísticas através do suporte fotográfico.

No percurso que faremos na Sala de Exposições, viajaremos pelo imaginário de artistas com abordagens completamente diferentes, mas que reflectem sobre alguns dos temas mais recorrentes da fotografia contemporânea como a identidade, a percepção, a sociologia e o território. Há aqui trabalhos que abalroam a pesquisa científica, outros que vão ao encontro da intimidade necessária para manter um diálogo íntimo e outros atravessados pelas filosofias que enuclearam o pensamento occidental.

Küss den Frosch, de Polly Humel

Ao entrarmos na Sala encontramos em primeiro lugar Küss den Frosch, o projecto com o que Polly Humel nos mostra o difícil caminho da procura da identidade e a auto-aceitação. De índole autobiográfico, toma o nome de uma sequência do conto infantil O Príncipe Sapo dos irmãos Grimm para fazer uma analogia entre a sua protagonista e a de Polly que, como aquela, transita por congostos caminhos antes de chegar à felicidade.

Mesmo não sendo um caminho linear, pois está cheio de flash backs, a autora propõe-nos um início, Eimo primeiro capítulo, Revolution, situado num trágico acontecimento que mudará a sua vida toda e obrigá-la-á a descobrir novas identidades e formas de relacionar-se com o mundo.

A partir daí transita pelo passado à procura de fendas na juventude, aparentemente feliz, para ir destapando um idílio fingido. A volta a tempos idos no segundo capítulo, On the Way, é aproveitado para reler e reinterpretar as imagens que guardava num feixe da memória, com grandes tribulações e sinuosidades. Recuando ainda mais no tempo, no seguinte capítulo, Devotchki (menina em russo, um dos idiomas da antiga RDA, onde a autora nasceu), traz à superfície as imagens mais enterradas da sua memória. Tudo o que esteve dentro dela durante anos finalmente é descoberto através de cenas infantis das que se apropria e com as que consegue fazer segundas leituras e, de passo, mudar lembranças.

Depois do caminho tortuoso, um novo capítulo, Cyclone, inunda tudo para assentar a calma. Este, diferente dos outros, é um capítulo transversal e que marca um antes e um depois no projecto e na vida da autora. De seguida, após o furacão, começa o Fleeting, a intensa procura de uma identidade com a que se possa expressar e comunicar-se, a busca da auto-aceitação.

E claro, uma vez que se alcança isto, chegam os Bright Days, em que a autora descobre que pode ser quem quiser sempre que esteja em paz consigo, e faz sua a frase La révolution, c’est moi, enquanto observa os passarinhos e salta para a água a nadar com saudade

Agora, no último capítulo, Küss, pode permitir-se a tudo!

Janus, de José Paulo Andrade

Ao fundo da sala vemos as imagens do estudo sobre a percepção e a auto-percepção de José Paulo Andrade.

O autor fez dezenas de ensaios com o seu auto-retrato para estudar não só os princípios básicos da percepção, definidos pela Gestalt a começos do s. xx, mas também as técnicas modernas de neuroimagem, que demonstram que o reconhecimento de rostos depende de várias áreas críticas do cérebro. Assim, a percepção de si e dos outros rostos exige ao mesmo tempo uma codificação holística e um reconhecimento de características processadas em diferentes regiões do cérebro. Os olhos e a boca são submetidos a uma análise imediata e profunda. De forma que podemos identificar, por exemplo, a presença de rostos assustadores ou ameaçadores, algo que o nosso cérebro pode perceber como potencialmente negador da nossa sobrevivência, o que põe em destaque as capacidades inatas de cognição social.

Identidade e auto-percepção são assuntos muito complexos e intimamente relacionados. A auto-percepção é o exercício que nos ajuda a estar cientes de quem somos, como somos e o que somos capazes de fazer. Uma vez que os humanos somos orientados pela visão, uma fotografia que mostre apenas o rosto, converte-se numa das maneiras mais importantes de nos tornarmos visíveis para os outros.

Cada pessoa parte de si própria para entender o mundo, sendo que a sua identidade é a bitola de medir o que o rodeia, vendo-se como elemento unificador das diferentes partes da realidade, desta forma a percepção de um auto-retrato é única em relação ao resto de espectadores/as.

Mas o mundo é uma amálgama de imagens e outras percepções que se cruzam com imagens mentais, aprendizagens e lembranças, pelas que o cérebro pode enganar-nos e criar realidades não existentes, pois todos os sentidos podem ser facilmente enganados devido a preconceitos e ilusões.

Neste projecto, que tira o seu nome da divindade romana de duas faces, podem ser vistas imagens de ilusões relacionadas com a percepção do rosto.

Hall of mirrors, de Patricia Pettitt 

A seguir temos o trabalho de Patricia Pettitt, que claramente se enquadra na Staged Photography com toda a artilharia desse género.

Ao longo do século xx os fotógrafos/as da Nova Visão, e também os surrealistas, empregaram a encenação como um poderoso estilo criativo. Foram estes os precursores/as da denominada Fotografia Encenada, termo que se começa a empregar com certa normalidade e assiduidade na década de oitenta, paralelamente à intensificação do debate sobre a validez e o uso da fotografia documental, pois é nesse momento que se toma consciência de que, na fotografia, o limite entre a realidade e ficção é bem estreito.

O trabalho de Patricia Pettit conta-nos uma história que se mostra intimista mas é uma narrativa fictícia, que tenciona construir um relato que sirva de biografia universal. Os poderosos conceitos que trata nas suas imagens saem da mochila vital da autora para serem universais e poderem ser extrapolados para qualquer mulher.

As encenações de Hall of Mirrors estão carregadas de simbologias que são dispostas na imagem como quebra-cabeças sobrepostos, onde nenhum elemento do quadro é por acaso. As personagens jogam a ser os alter ego e os estados de ânimo ao mesmo tempo. Os espaços tomam protagonismo como metáforas dos sentimentos.

A autora, desde uma consciente distância emocional, desenha ao pormenor cada imagem e atarraca à(s) sua(s) personagen(s) na ambiguidade de existir no limbo entre o mundo real e o imaginário, num novo espaço-tempo no que os seus  desejos e medos mais profundos se encontram na intimidade.

Nas palavras de Patricia, «como espelhos, estas imagens reflectem perguntas feitas pela personagem sobre quem somos e quem na realidade desejávamos ser».

My Dog, de Adriano Pimenta.

Partilhando parede com o anterior, o projecto de Adriano quer falar da sua cadela, porém fala realmente da ausência dela, das saudades que sente por ela em períodos que, por trabalho, tem que estar fora de casa,  mas também dos cães em geral e do relacionamento dos humanos com eles.

My Dog é uma narrativa construída a partir das suas fotos de arquivo. Durante anos, o autor fotografou compulsivamente pelos lugares que transitou e, ao rever o seu arquivo percebeu a tendência que tinha em fotografar os cães que encontrava, talvez para paliar as saudades que tinha.

As fotografias, com um notável estilo geométrico, tão típico na obra de Pimenta, foram feitas na Índia, na Noruega, nos Países Bálticos, nos EUA, na Alemanha, em Marrocos e em Portugal. Postas a dialogar, evidenciam o diferente tratamento que recebem estes quadrúpedes nos diferentes lugares do mundo e revela as diferentes relações que os humanos estabelecem com eles.

Como no seu anterior trabalho, «Every Days is Sunday», o autor parte do íntimo para o universal. Se naquele partia do local para, usando as mensagens de um jornal global, tornar as suas imagens cercanas para qualquer espectador/a independentemente da sua procedência; neste parte da relação com o seu animal de estimação para, servindo-se das imagens do seu arquivo, falar do relacionamento dos humanos com os cães ao longo do mundo.

Ainda, com o seu trabalho fala também das diferentes situações que se encontrou ao longo do mundo fazendo uma analogia entre os cães e as pessoas: o que somos e quais são os nossos comportamentos.  

Nalgumas imagens o autor faz-nos reflectir sobre a humanização (ou a falta desta) que damos aos mamíferos revertendo essa práctica e confrontando-nos com cenas nas que, sem aparecer nenhum canídeo, os elementos visuais posicionam-nos na sua visão.

Why do things get in a muddle?, de Odair Monteiro

No centro da sala, numa estrutura que nos obriga a arrodear a obra de Odair, acabando no ponto em que começámos, está o projecto Why do things get in a muddle?, que tira o seu nome da frase escrita por Gregory Bateson no livro em que a filha pergunta ao pai o motivo de as coisas tenderem para ficarem confusas e desarrumadas e não o contrário.

Odair começou este projecto na Ribeira do Mosteiro, quando estava às voltas com os ensinamentos do pensador Heraclito de Éfeso, e propôs-se ver quanto há de verdade na sua frase «Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio».

A sequência que cria desenha um percurso de jusante a montante, onde os elementos que o rio arrasta e acumula, lembram realidades próprias ou alheias, nas que, por defeito, tudo tende a desarrumar-se. O constante movimento do rio é, nestas imagens, uma metáfora do curso da vida, um caminho cíclico de repetidos rearranjos.

Por fim, o autor também dá espaço à esperança e parafraseia de novo Heraclito, porque «nada é permanente, excepto a mudança».

Vítor Nieves. Curador

(Por opção do autor, este texto não foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990.)