É comum, na recente história da fotografia, ver como as imagens construídas para ilustrar notícias e condenadas a uma rápida caducidade marcada pelos ritmos da imprensa, se desloquem para o campo das artes para encher paredes, numa consequente alteração de significado e significante.
Nos últimos anos, o mundo da imprensa entrou em intermináveis deambulações que provocam constantes re-invenções próprias de quem teima em existir, mas que gradualmente se esvanece. Isto é ainda mais evidente na área gráfica, formada por milhares de fotógrafos e fotógrafas de ofício (e não só) que vêem a sua função substituída pelas apropriações que os editores fazem na internet, ou até pela própria vizinhança que usa os telemóveis para (mal) documentar o seu entorno de forma eficaz, num mundo em que prevalece a rapidez em detrimento da qualidade. Nos finais da primeira década dos anos 2000, o terrível prognóstico do fotojornalismo ficou patente no que é conhecido como o ‘síndrome de Hong Kong’, quando um dos principais jornais dessa cidade despediu todos os seus fotógrafos e fotógrafas e distribuiu smartphones aos repartidores/as de pizzas após estabelecerem um acordo com a empresa de restauração.
O que já não é tão vulgar é o exercício que nos é apresentado no trabalho «Every Day is Sunday» (Todos os dias são domingo), em que o autor, Adriano Pimenta, constrói imagens que transcendem os tempos mediáticos, partindo da premissa da informação diária. Uma manobra em que este controla todos os factores para, de forma consciente, desenhar essa alteração de significado e significante, que no caso anterior dá-se por múltiplas eventualidades não estabelecidas a priori.
As imagens desta série delimitam um tempo indeterminado, um domingo constante. Uma era, a actual, em que, independentemente das notícias que nos apresentam os meios de comunicação, a informação transmitida é sempre a mesma. Os mesmos poderes oprimem as mesmas pessoas. Um tempo que parece um acordeão que se estica e encolhe e é capaz que todos os seus pontos equidistantes se voltem juntar, para tocar a mesma nota. Não importa se estamos em 2008 ou em 2020, só temos de substituir ou apagar as palavras de moda, algumas inventadas pelos mesmos media. A informação é sempre a mesma, elaborada igual para ser consumida sem que nada mude.
Um domingo constante em que nada se passa, mas sendo o dia em que mais jornais se vendem. As fotografias de Adriano Pimenta querem apresentar-nos um espaço neutro num tempo indefinido. “Neutra” como é a informação dos jornais e indefinido como o futuro destes. Um futuro atravessado pela repetição compulsiva de informações sempre em sentido unidirecional. E volta a ser domingo. É como no filme «O Feitiço do Tempo» (Groundhog Day), em que ninguém sabia quanto tempo Phil Connors, interpretado por Bill Murray, ia estar a viver constantemente o mesmo dia.
Com um olhar inequivocamente geométrico, porventura devido à sua formação em arquitectura, o autor procura numa realidade local um discurso global para pôr em diálogo as palavras que ocupam os títulos de um jornal escrito a milhares de quilómetros da sua casa. Um passeio em vários caminhos que entrecruzam o acontecimento global, a palavra e a imagem do seu entorno.
Nas palavras do autor, «a combinação do comum com um acontecimento global transporta a narrativa para uma não-realidade, do que pode ou não ser verdade e onde a ambiguidade questiona se a verdade existe. A repetição do objecto da imagem especula sobre as diferentes realidades numa prova de dúvida, de sempre existir um outro ângulo, onde a interpretação do observador pode ser o caminho». Todo um xeque aos códigos deontológicos principais do jornalismo.
Vítor Nieves, Curador